quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Revolução dos Bichos, o filme.

Acabo de assistir a adaptação para o cinema de A Revolução dos Bichos (Animal Farm, 1999), obra-prima de George Orwell.

Fiquei um pouco dececpionado. Tive a impressão que o diretor - um tal de Jonh Stephenson, o qual tem no currículo filmes como Os Flinstones - conseguiu transformar um clássico da literatura do século XX, complexo e repleto de alegorias, num filme abobalhado e cheio de clichês, digno de uma Sessão da Tarde - aliás, me lembrou muito Babe, o porquinho atrapalhado.

Particularmente eu esperava uma reprodução mais fiel à história original (que você, caro leitor imaginário, pode ler no post anterior). Sou da opinião de que os clássicos não devem ser alterados em nada, sob pena de comprometer o sentido mesmo da obra. Foi o que, em parte, aconteceu.

Algumas cenas foram alteradas, outras suprimidas, e mais algumas inventadas. Nada muito grave. A maioria dessas pequenas mudanças - para algumas das quais simplesmente não há explicação - só serviram para incomodar os espectadores mais ortodoxos e chatos, como eu. Por outro lado, é preciso reconhecer que algumas inserções - como a alusão à queda do Muro de Berlim e à chegada do capitalismo - foram enriquecedoras.

Mas sem dúvida, o que efetivamente comprometeu o sentido original da obra foi a relação entre os dois porcos principais, Bola-de-Neve e Napoleão (Trótski e Stálin, respectivamente). No filme, o primeiro é retratado como o bom moço do pedaço; o altruísta abnegado que trabalha em prol da sociedade; o idealista sincero e quase inocente que leva a termo os princípios do animalismo (comunismo) e os ensinamentos de Major (Lênin). Até sua voz e sua feição - sim, porco tem feição - são bonachonas. Uma presa fácil para Napoleão - esse sim, o vilão-clichê: feio, ambicioso, manipulador, rouco, etc.

É aí que o filme entra em desacordo tanto com a trama de Orwell quanto com a história da Revolução Russa. No livro, Bola-de-Neve quer tanto o poder quanto Napoleão. Sai derrotado porque enfrenta um adversário muito mais tinhoso e perspicaz, que possui o apoio dos outros porcos. Na história real, Trótski e Stálin são igualmente ambiciosos e disputam palmo-a-palmo o comando da Revolução.Stálin vence porque seu projeto de "comunismo num só país" tem maior aceitação na elite política da URSS. Trótski leva um pé-na-bunda.

Mas isso não quer dizer que Trótski tenha sido um figura angelical. Era tão louco, tão obsessivo, tão totalitário quanto Stálin. Já havia se mostrado um líder cruel na Guerra Civil que consolidou o regime comunista. Trótski, porque morreu a golpes de picareta a mando de Stálin, não pode ser poupado de um julgamento histórico mais duro. Afinal, ele foi diretamente responsável pela implantação de um regime que vitimou cerca 20 milhões de pessoas. Trótski era um animal, um bicho selvagem, e não pode ser eximido de culpa, como quis o filme. A impressão que fica é que tudo teria sido melhor se Bola-de-Neve tivesse graciosamente continuado seu trabalho; até a cachorra - que estranhamente narra a história - suspira por ele. Besteira.

Dessa maneira, a culpa de todos os males recaí sobre Napoleão, como se ele fosse um elemento estranho àquela ordem; como se ele fosse algo fora do comum, excepcional. O sonho do animalismo (comunismo) foi corrompido pessoalmente por Napoleão (Stálin). Esse é, aliás, um discurso bem encardido do qual a esquerda constantemente faz uso: colocar a culpa do fracasso comunista naquele país no stalinismo. Infelizmente nem o próprio Orwell (by the way, um socialista), por mais inteligente e honesto que fosse, conseguiu livrar-se inteiramente desse vício.

É preciso deixar claro uma coisa: o stalinismo não é uma distorção do marxismo. O stalinismo - mesmo que parte da esquerda insista em separar o joio do joio - é fruto do marxismo. É a expressão máxima da mentalidade revolucionária: totalitária, sanguinária, traumática, implacável, doentia. Dessas características, o trotskismo possui todas.

Mas o filme seria bom, apesar disso. Não fosse por um detalhe: cadê o burro Benjamin?

No livro, ele é o mais altivo e sagaz de todos os personagens. O mais digno e incorrupto dos animais - e, no fundo, o mais importante. No filme, quase não o vemos; sequer o chamam pelo nome; praticamente não fala. É só mais um pateta completamente integrado à ordem. Lamentável.

No mais, o filme não é recomendável àqueles que não leram o livro.

Burro Benjamin.

domingo, 20 de setembro de 2009

Por que o Burro Benjamin?

Todos os dias recebo um sem número de emails dos meus leitores perguntando sobre o porquê de adotar o pseudônimo - sonoramente feio e, na verdade, pouco criativo - de Burro Benjamin.

Bem, acredito que eu tenho o dever moral de esclarecer essa dúvida que suscita várias coçadas na cabeça dos queridos que religiosamente lêem meus textos.

Então lá vai uma explicaçãozinha:

O Burro Benjamin, pra quem não sabe, é um personagem de A Revolução dos Bichos (Animal Farm), fábula criada pelo escritor inglês George Orwell.

Uma das melhores coisas que eu já li; uma obra-prima.

A trama desse livrinho desenrola-se numa pequena fazenda da Inglaterra, na qual os bichos, cansados de serem explorados pelos humanos, se insurgem contra os mesmos, derrotando-os e expulsando-os, assumindo, assim, o poder da Granja do Solar. Orwell conta pormenorizadamente a história dessa fantasiosa revolução dos bichos: desde as conspirações no paiol até a eclosão da rebelião, passando pelo modo como o novo governo da fazenda se consolida.

Óbvio que Orwell, genial que foi, quis ir muito além de uma mera fábula. Trata-se, na verdade, de uma paródia da Revolução Russa de 1917, através da qual os comunistas, liderados por Vladimir Lênin, ascenderam ao poder. Socialista desliludido, George Orwell foi, como inequivocamente propõe Olavo de Carvalho, "um dos grandes criadores da linguagem anticomunista, calculada para parodiar e implodir o jargão comunista".

Em A Revolução dos Bichos, cada personagem representa algo ou alguém em analogia com a realidade dos fatos.

O Sr. Jones, dono da fazenda e explorador cruel, representa o czar Nicolau II. Os porcos - que outro animal poderia ser? - representam os líderes revolucionários: Major, o idealizador da rebelião, é Lênin; Bola-de-Neve, o radical expansionista, é León Trótski; e Napoleão, o severo ditador, é Josef Stálin. Esses ilustres suínos utilizam as mesmas pérfidas estratégias das quais os revolucionários da Rússia - mas não só da Rússia, se ampliarmos o escopo da analogia proposta por Orwell - fizeram uso para alcançar seus fins políticos.

A feroz matilha que coage os outros bichos e protege os porcos certamente é representação da KGB.

Os demais animais representam, basicamente, o povo russo - ou, na verdade, qualquer povo subjugado por um governo revolucionário. Logicamente cada espécie - assim como cada pessoa - lida com o poder sufocante dos revolucionários de maneira diferente. O cavalo Sansão, por exemplo, ludibriado até a alma, trabalha literalmente até a morte pela manutenção de um sistema que nunca trouxe benefício algum a ele. As ovelhas, coitadas: totalmente alheias à realidade, repetem, sem se dar conta, os slogans estupefacientes e cambiantes do Partido. Já a vaca Mimosa, burguesa egoísta e fútil, insatisfeita porque a revolução lhe tirara certos privilégios pessoais, acaba fugindo da fazenda. E por aí vai.

No meio de tudo isso, encontramos o discreto Burro Benjamin: o mais sensacional de todos os personagens da história.

E o que ele faz de tão sensacional?

Nada. Ele não faz nada.

Bem, ele é o mais esperto, sem dúvida: sabe o que se passa ao seu redor. No seu íntimo, ele não foi - nem seria, mesmo que o livro tivesse 1000 páginas - enganado. Se manteve seguro e consciente; não foi alienado nem cooptado.

No entanto, não mexeu um dedo sequer para conscientizar os outros - só abria a boca para soltar gracinhas e reclamar vagamente das coisas. Deixou os outros chafurdarem na lama da ignorância, sem pena.

Acho que é assim que eu penso e é assim que eu ajo.

Enquanto eu vejo a merda virar boné e o mundo ir ladeira abaixo - coisa que eu, mesmo canhestramente, pretendo demonstrar aqui -, o que eu faço? No máximo, isso: escrevo num blog que ninguém lê.

Mas será que podem cobrar de mim e do Burro Benjamin uma atitude "de verdade"? Será que têm o direito de berrar "por que você não faz algo de substancial"?

Ora, claro que não. É difícil e desmotivante falar com gente que não quer ouvir; falar com gente que prefere a ignorância e a mentira. Por isso, como o Benjamin, eu deixo, na marioria das vezes, os idiotas se afundarem na própria burrice. Danem-se todos.

É assim e pronto; fazer o quê?

Antes Burro que hipócrita.

Burro Benjamin.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Tio Rei e o pra lá de suposto "direitismo" de Hitler.

Reinaldo Azevedo... Grande Tio Rei!

Olha, sou fã desse cara. Um dos grandes jornalistas desse país. Pra mim, só fica atrás do insuperável Olavão mesmo. Fala as coisas sem medo; é bastante corajoso; é cultíssimo e escreve muito bem. Mas nem precisa de tanto: só por ser uma voz destoante do restante da mídia chic esquerdista já merece admiração. Recomendo a qualquer pessoa que queira realmente entender o que de fato se passa no mundo e no Brasil (a quem interessar: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/)

Recentemente eu vi uma ótima entrevista sua acerca do seu novo livro, O país dos petralhas, que eu espero ler um dia. Entrevista enriquecedora, como costumam ser seus comentários. Mas um detalhe me chamou negativamente a atenção - detalhe que certamente passou despercebido pela maioria dos que viram, mas não por mim, que me interesso especialmente pelo assunto. Confesso que me decepcionei um pouco: esperava mais da típica lucidez do Reinaldão. Mas quem não pisa na bola, né?

Enfim, vamos lá ao que me incomodou.

Em certa altura da entrevista em questão, Tio Rei, em resposta ao interlocutor, reitera veementemente sua visão política tascando um sonoro "Sou de direita, sim". Tudo bem, mas teria sido melhor parar por aí. Mais adiante ele ressalva: "Sou de direita sim, mas depende da direita que querem jogar no meu colo; não sou da direita de Hitler; não me responsabilizo por seus atos".

Ora, Tio Rei, então com que autoridade você acusa - montado na razão, diga-se de passagem - a esquerda de ser cúmplice moral dos crimes de Fidel Castro, Josef Stálin, Mao Tsé-Tung, Pol Pot et caterva? Assim você não estaria "jogando no colo" de alguns uma esquerda por muitos - não há como negar - também rejeitada? Dessa forma você entrega o contra-argumento de mãos beijadas aos inimigos. E logo você, um conhecedor de Schopenhauer.

Mas o problema não está aí, e ainda não é isso que me incomoda.

O que me incomoda é ver os (últimos) baluartes da direita pensante e falante caindo no velho e idiota engodo de que Hitler e o nazismo eram de direita. É impressionante como essa mentira historiográfica criada pela própria esquerda colou e se espalhou; já virou um senso comum. Quantas vezes, ao saberem que eu era um "direitista", me saudaram com um Heil, Hitler!. Isso de uma ignorância imensurável.

Explico:

O que se chama convencionalmente de "direita" pode ser dividido, basicamente, em duas correntes distintas (bem distintas): os liberais e os conservadores. Isso todo mundo sabe - ou deveria saber.

Agora eu desafio qualquer ser humano da face da terra a responder à seguinte pergunta:

EM QUAL DESSAS CORRENTES HITLER E O NAZISMO SE ENCAIXAM?

Ora, os liberais crêem, do ponto de vista político e econômico, num Estado diminuto que interfira o mínimo possível tanto na economia quanto na vida mesmo das pessoas. É preciso dizer que o Estado Nazista é justamente o oposto disso?

Os conservadores, por sua vez... Bem, não é nem necessário explicar. Basta dizer que o Nazismo é uma ideologia revolucionária, que defendia a construção de um novo mundo, hipoteticamente melhor, baseado na ideia de superioridade da raça ariana. Ora, "revolução" é a antítese exata de "conservação", meu saco!

Se Hitler não era liberal nem conservador, que danado ele era?

Em suma, é inadmissível que as pessoas ainda acreditem numa "lenda" dessas, ainda mais um intelectual do porte do Reinaldo.

Já que esse mito (de associar Hitler à direita) é inteiramente falso, não se pode discutí-lo nem sequer esquivar-se dele. Mentira é mentira, não tem discussão. Isso é uma regra básica de retórica.

O que se tem que fazer é dar um tapa na mesa e mandar pastar qualquer imbecil esquerdista que venha com esse papinho sem fundamento.

É por isso que Olavo de Carvalho é insuperável.


Burro Benjamin.